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domingo, 22 de novembro de 2015

RESENHA: LÓGICA da DESORDEM – Lúcio Kowarick

repasso reflexão que fiz em 2008.
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LÓGICA DA DESORDEM – Lúcio Kowarick

Este texto surgiu em 1976 quando a Pontifícia Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo realizou um estudo sobre a urbanização da cidade de São Paulo. Os pesquisadores Vinícius Caldeira Brant e Lúcio Kowarick foram os coordenadores deste estudo chamado “São Paulo 1975 – crescimento e pobreza”, que continha um Capítulo 2 intitulado de “Lógica da Desordem”.
O livro queria estudar o crescimento da cidade de São Paulo do ponto de vista social e econômico da população trabalhadora, constatando o processo desigual da urbanização paulistana. O capítulo “Lógica da Desordem” questionava o crescimento desordenado da cidade, as contradições no tocante à divisão das riquezas dos seus moradores e assim como a desigualdade no acesso aos espaços públicos.
Anos depois, em 1993, Lúcio Kowarick decide republicar este texto em um novo livro chamado “A Espoliação Urbana”, cujo capítulo conteria o mesmo nome da primeira publicação. O texto é muito parecido ao primeiro, possuindo somente algumas modificações e atualizações, não perdendo seu potencial crítico e questionador do processo desigual da urbanização paulistana.
Kowarick queria entender a expansão urbana (os serviços, infra-estrutura, relações sociais e níveis de consumo) ligada ao processo de acumulação do capital. Utilizando-se de muitos dados estatísticos da cidade, tentava-se entender a desconexão de espaços vazios e ocupados, sub-entendendo que os problemas não estão na cidade de São Paulo inteira, mas principalmente nas suas periferias.
Num primeiro momento procura entender a desigualdade espacial de São Paulo e dá um histórico de suas moradias populares e de trabalhadores. Na década de 1930 tínhamos um começo da industrialização na cidade e os próprios donos das empresas quem se responsabilizavam pelas habitações dos trabalhadores nas chamadas vilas operárias (casas alugadas ou vendidas aos operários). Estas vilas eram viáveis economicamente ao patrão porque: os terrenos próximos às empresas eram muito baratos (geralmente localizavam-se em terrenos de várzea e próximos das ferrovias); havia uma pequena quantidade de operários na época possibilitando este empreendimento; o rebaixamento do salário dos operários, pois por morarem próximo ao serviço, suas despesas seriam menores.
A cidade até então se resumia em alguns pontos dispersos e localizados de urbanização, mas a partir da década de 1950 os espaços da cidade mudarão profundamente. Por advindo da intensificação da industrialização e da urbanização, teremos agora uma grande explosão demográfica (destaque pela migração de famílias vindas em sua grande parte do Nordeste, Minas Gerais e do interior do estado de São Paulo), um encarecimento dos terrenos fabris e residenciais, além de uma pressão por habitações populares.
Os burgueses que até então se responsabilizavam pelas “vilas operárias”, não necessitarão mais destas e transferem os gastos de moradia e de transporte para o próprio trabalhador, além do serviço urbano básico para o Estado. Estávamos tendo um significativo desenvolvimento do capitalismo na cidade de São Paulo. Podemos afirmar que neste momento surge o “Mercado Imobiliário” e a “Periferia” (“aglomerados distantes dos centros, clandestinos ou não, carentes de infra-estrutura, onde passa a residir crescente quantidade de mão-de-obra necessária para fazer girar a máquina econômica”, pág. 35).
Como acumulação e especulação andam juntas, a localização da classe trabalhadora passou a seguir os fluxos dos interesses especulativos dos grupos imobiliários privados. O poder público sempre se ausentou da tarefa de dar um mínimo de ordem no uso do solo da cidade e colocará esta responsabilidade do desenho urbano para os grupos privados. O Estado-burguês é reformista e atende aos interesses particulares, colocando-se à serviço da dinâmica de valorização-especulação do sistema imobiliário-construtor.
As conseqüências desta lógica desordenada de urbanização são: a pouca quantidade de área verde na cidade, ruas não pavimentadas, pouca rede de esgotos e de água, além de áreas desprovidas de iluminação.
A especulação imobiliária será um fator importantíssimo na cidade de São Paulo e o autor descreve um exemplo prático de especulação imobiliária: pois quando temos uma “área vazia” entre dois loteamentos, esta possivelmente se valorizará porque está sendo constantemente cortada por um fluxo constante de trabalhadores e cidadãos comuns.
Com a especulação imobiliária teremos agora uma intensificação da expansão horizontal de urbanização paulistana, não tendo mais como característica fundamental a concentração de áreas distintas e desarticuladas na cidade, mas se articulando áreas periféricas na cidade de São Paulo e também nas cidades da Grande São Paulo.
Ficará cada vez mais em evidência a questão dos transportes na cidade de São Paulo, principalmente para a grande massa de moradores e de trabalhadores de baixa renda que morarão nas periferias, muito distantes dos seus locais de trabalho.
As distâncias na cidade de São Paulo serão cada vez maiores, assim como a quantidade diária de deslocamentos e de carros, aumentando as horas em que as pessoas ficam no trânsito. Projetos milaborantes de engenharia e muitas vias de circulação serão criadas em São Paulo, mas não se tentará um incentivo ao transporte público para combater o crescente número de carros individuais (ocasionados pelo furor individualista e consumista das pessoas, em combinação da necessidade da rapidez em se deslocar na cidade).
Não parece ser uma prioridade dos governantes de São Paulo criar “bolsões de emprego nas periferias”, fato que poderia diminuir significativamente a quantidade de deslocamentos e do trânsito na cidade. É uma necessidade do capitalismo a existência de deslocamentos diários pelas cidades, cabendo ao trabalhador periférico se sujeitar a um tempo de fadiga, um evidente fator de seu esgotamento físico e mental. Se a produtividade do trabalhador cair, ele será sumariamente substituído por outro trabalhador do “exército industrial de reserva”. Para ilustrar esta discussão, Kowarick transcreve um depoimento de um prefeito (não identificado) de Diadema: “Quem trabalha em Diadema, mora fora. Quem mora em Diadema, trabalha fora”.
Os serviços públicos e a infra-estrutura urbana existem à disposição de quem possa pagar por eles, pois a instalação destes pelo Estado dependerá da rentabilidade ou da viabilidade do investimento. Estes bens e serviços se repartem desigualmente na cidade de São Paulo, seguindo a distribuição de renda e o valor de troca dos moradores, tornando-se um importante mecanismo de valorização imobiliária. Podemos dizer que os terrenos caros são aqueles com mais serviços e bens, no qual somente as pessoas ricas poderão morar, pois podem pagar por um alto IPTU e aluguel.
Teremos uma evidente segregação espacial e social na cidade de São Paulo, nas periferias com as habitações populares, conjuntos habitacionais, favelas e os cortiços do centro (que são viáveis pela proximidade do emprego); e as habitações dos ricos que estão distribuídas em locais centrais, mas dispersos na cidade (sempre muito bem protegido pelo aparato repressor estatal).
Os investimentos públicos atuarão muitas vezes como “malas de especulação”, fato que ocorre freqüentemente na construção de infra-estrutura e serviços em zonas decadentes ou estagnadas (como no centro-velho), assim como na construção do metrô, numa canalização de um córrego e na construção de uma rodovia (ex: Rodoanel).
Lúcio Kowarick apontará vários dados estatísticos para demonstrar a dilapidação da força de trabalho e as péssimas condições sociais vivenciadas pelos moradores de baixa renda. Constataremos um agravamento da situação das famílias trabalhadoras em São Paulo, ao verificar os dados da vulnerabilidade do trabalho (com o trabalho repetitivo, acidente no trabalho, aumento das jornadas de trabalho, o ritmo acelerado, a subnutrição e a fadiga no deslocamento), o aumento da mortalidade infantil, a queda da expectativa de vida, a desnutrição e subnutrição alta, a diminuição da quantidade de pessoas com a Previdência Social e da pouca quantidade de redes de esgoto e água.
O autor criticará também ausência de organização sindical que questione a exploração da força de trabalho, assim como da política desigual e ineficiente do BNH (Banco Nacional de Habitação). Fará também uma relação da poluição do ar com as zonas fabris e com a quantidade de crianças com meningite.
Numa cidade capitalista como São Paulo, o que importa é o lucro dos poderosos e não uma resolução da dilapidação das condições sociais. O capital deteriora a vida metropolitana, sendo a cidade e a classe trabalhadora somente uma fonte de lucro. No entanto, para os trabalhadores, a cidade é o mundo onde devem procurar desenvolver suas potencialidades coletivas e sua existência.

Está é uma grande contradição que deve ser combatida desde já.

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